Rede Artesol leva os ensinamentos dos mestres artesãos brasileiros às escolas de São Paulo

Os saberes relacionados às manifestações culturais brasileiras carregam elementos referentes à nossa formação histórica, política, social e artística, além de um repertório atravessado pelo imaginário lúdico, religioso e poético de cada território do país

Raquel Lara Rezende


A ideia de que a cultura é um elemento que nutre todo o processo educacional e que tem um papel de suma importância na formação dos jovensganha cada vez mais força entre pensadores que defendem a inclusão de conteúdos relacionados à cultura popular na grade curricular das escolas.

Entendemos que os saberes relacionados às manifestações culturais brasileiras carregam elementos referentes à nossa formação histórica, política, social e artística, além de um repertório atravessado pelo imaginário lúdico, religioso e poético de cada território do país.

A proposta de levar palestras sobre os mestres artesãos brasileiros para as escolas de São Paulo vai de encontro a essa ideia. Em 2023, no âmbito do Projeto Rede Nacional do Artesanato Cultural Brasileiro, levamospara as escolas públicas de São Paulo palestras sobre os mestres do artesanato tradicional brasileiro, suas histórias de vida e saberes compartilhados em suas comunidades. Ao todo, foram 5 escolas visitadas na grande São Paulo, onde tivemos encontros com estudantes do ensino fundamental e do ensino médio, incluindo alunos do programa Educação de Jovens e Adultos – EJA.

E o que será que as histórias de mestres e mestras do artesanato brasileiro, de diferentes regiões do Brasil, com realidades tão distintas de São Paulo, poderiam trazer de novo para os estudantes?

De forma geral, suas biografias, por si só, já trazem aprendizados, inspirações que nos colocam em contato comnovas perspectivas de mundo e histórias ricas em experiências, criações e transformações que reverberam para toda a comunidade onde vivem. Quando conhecemos suas histórias, percebemos que alguns valoresse repetem, como a liderança, a partilha, o ensino artesanal e a criação autêntica, aquela que não cabe em nenhuma caixinha.

A partir dessa percepção, o ponto central que escolhi trazer para os estudantes foi a criação. O ímpeto de criação é algo genuíno e fundamental para todos nós e, nas histórias de vida dos mestres, é o salto a partir do qual grandes mudanças acontecem.

Muitos mestres iniciaram suas jornadas de reconhecimento no artesanato tradicional a partir do desejo de experimentar algo novo dentro da técnica que já conheciam. E, ao criar algo inusitado, muitos deles expandiram os seus horizontes e o de toda a comunidade, pois, como mestres, repassaram o saber, incentivaram e acompanharam inúmeras pessoas, em sua própria caminhada no universo do artesanato.

As comunidades Ilha do Ferro (distrito que é um polo de escultores em Pão de Açúcar – AL), Alto do Moura (polo cerâmico de Caruaru – AL), e toda a região do Vale do Jequitinhonha, conhecida pelas bonecas de barrono semiárido mineiro, são exemplos de lugares que se transformaram completamente a partir das criações dos mestres Fernando Rodrigues dos Santos, Vitalino e Izabel Mendes da Cunha.

Enquanto educadora, uma meta importante para mim é que os encontros, mesmo sendo breves, deixassem uma mensagem que tivesse um impacto pessoal para os jovens e adultos que participaram da vivência. O universo do artesanato tradicional é afetivo, inventivo, rico em conexões e nos faz lembrar da potência de ação que existe em todos nós.E é esse sentimento que buscava transmitir através das histórias que compartilhei.

Outro ponto que abordei foi a importância do silêncio dentro da pedagogia artesanal. Em um mundo que nos bombardeia o tempo todo com estímulos e informações, o silêncio é algo raro. Não o silêncio de não se pronunciar, de não se posicionar, e sim o silêncio que qualifica a nossa presença no mundo.

É a partir dessa presença que brota a criação, que estamos mais disponíveis para nos inspirarmos e criarmos novas conexões, inclusive com nós mesmos, porque na dinâmica artesanal, a experiência tem um fim em si mesma, auxiliando a pessoa a ir ao encontro de sua própria essência e a reconhecer o seu lugar na comunidade e de sua potência criativa.

Por fim, um ponto também muito discutido nas palestras foi o sentido de liderança no universo do artesanato tradicional brasileiro, sustentado por valores comunitários, em que a partilha, o crescimento coletivo e o reconhecimento do potencial de cada pessoa estão presentes.

Rede Artesol


Membros relacionados


Raquel Lara Rezende é colaboradora da Artesol. Formada em Comunicação Social, tem doutorado em Educação e transita entre as mais diversas possibilidades de expressão da cultura popular, seja como pesquisadora, artista ou jornalista.